Graccho, Presidente: ao correr da pena de ouro estanciana (IV)



22/11/17 10h25   Artigos Imprimir

Graccho, Presidente: ao correr da pena de ouro estanciana (IV)

Acrísio Gonçalves de Oliveira (*)

Desde o início da República, Estância já tinha recebido, com a de Graccho, três visitas presidenciais, sendo esta última a mais notável, por tratar-se de um governo verdadeiramente comprometido com a gente da sua terra.

Na tarde do dia 15, numa iniciativa de José de Alencar Cardoso foi colocada uma inscrição na casa onde nasceu Gumersindo Bessa. Graccho ajudou a bater os cravos da placa. A casa se situava no fundo do Grupo, na Rua 1º de Março (que passou a ser denominada de Rua do Capim Macio, por ter gramas desse tipo). Nela constava a inscrição: “Aqui nasceu, a 2 de janeiro de 1859, o grande jurista dr. Gumersindo Bessa”. Como era de se esperar, desapareceu a casa e junto com ela a placa.

Domingo, dia 20 de maio, depois de três semanas, Graccho Cardoso se despedia da terra natal. Às 5 horas, ao toque do hino sergipano pelas duas filarmônicas chegava o Presidente e Joelina Cardoso, sua esposa, à Praça Barão do Rio Branco. Ao ar livre, defronte ao Grupo Escolar foram dispostas mesas contendo chás, chocolates e bebidas finas. Bombons de fartura foram distribuídos para as crianças. À noite, iluminando toda a praça, luz elétrica cedida pela fábrica de tecidos Senhor do Bomfim, apoiou a dança nos salões do Grupo interna e externamente. Na fachada do prédio lâmpadas multicores. Muito bem disposta, a luz elétrica chamou a atenção, encantando jovens e idosos deslumbrados com aquele tipo de iluminação que deixava tudo bonito e quase claro como o dia. Teria dito o jornal A Razão que “foi um dos grandes elementos de sucesso da festa”. Aberta ao público, esta se prolongou com sua dança, até às dez horas, quando se retirou o Presidente.

Na terça-feira, dia anterior à partida de Graccho, João Nascimento com outros amigos fez circular um boletim avisando o dia e a hora da sua partida. Às 6 horas da manhã do dia seguinte já havia aglomeração na Praça 24 de outubro (o Jardim Velho), depois seguiram até à Praça 7 de Setembro onde carros aguardavam. Como de praxe, no acompanhamento, presentes a Lira Carlos Gomes e a Recreio Estanciano. Pelo trajeto, homenagem de lojistas, pétalas de rosas enquanto o Presidente fazia o agradecimento se despedindo, acenando com o chapéu. Nesse tempo a estrada recém-inaugurada de Salgado tinha início na dita praça, que atualmente permanece com o mesmo nome. Na partida, Graccho teria dito: “senhores eu levo a Estância no coração”. Partiu, mas voltaria.

Chegava o mês de junho e, para completar a alegria, o Presidente liberaria o buscapé na festa do coração dos estancianos. O buscapé, há muito tempo não se via rabear no São João da Princesa do Piauitinga.

Mas em Estância dos começos dos anos 20 do século passado, boiadas trilhavam por suas principais ruas e praças. Nas noites, a cidade era tocada à luz de lampião. Sua água provinha das fontes, principalmente a Fonte da Donana, do Cajueiro ou da antiguíssima Fonte do Coqueiro.

A cidade agora se concentraria na eliminação da luz incômoda do lampião. Neste sentido, uma lei já tinha sido aprovada para adquirir empréstimo objetivando instalar uma usina de eletricidade. Havendo contração de dívida, era preciso criar formas de arrecadar mais. Seguindo certamente a orientação de Graccho Cardoso, em junho do mesmo ano, algumas leis foram aprovadas pelo Conselho Municipal com tal propósito. Uma dessas estipulava o encerramento das transações comerciais, ressalvando-se “as farmácias, hotéis e seus congêneres”, sendo as demais recolhidas ao “toque das 20 horas pelo relógio da matriz da Cidade”, caso contrário seriam prontamente multados em 50 mil réis. Esse detalhe nos mostra um comércio estanciano, dos anos de 1920, concentrado entre as igrejas da Matriz e do Rosário. Ao observar algumas propagandas de jornais, as casas comerciais se localizavam na Praça Barão do Rio Branco, e mais densamente nas ruas Capitão Salomão e do Pernambuquinho, havendo também na Praça 7 de Setembro. Um intervalo onde bem se poderia ouvir o toque do relógio, ajudado por uma época de pouca ou quase nenhuma interferência sonora. Verdadeira novidade, o histórico instrumento foi um presente vindo da Suíça, doado em 1903 pelo português João Joaquim de Souza. Ele veio numa barcaça acompanhado de sinos para o toque das horas e continha um mostrador para às noites. Era cuidadosamente reparado por competentes profissionais. Remígio Profeta ou Manuel Natureza, era alguns dos concertadores que apareceriam com certa frequência para fazer a manutenção da valiosa peça.

Aprovadas em uma mesma reunião, outra lei se referia às mercadorias que dessem entrada ou saída após às 20 horas. Não sendo de depósito público ou de casa particular seria multada por imposto dobrado, devendo o seu proprietário pagar ainda 50% desse valor. Proibia e multava quem desobedecesse ao seguir o trajeto com boiadas pela Praça 24 de Outubro e pela Rua Capitão Salomão. Já a lei nº 171 dava direito ao Intendente tomar um empréstimo de 30 contos de réis para a construção de uma estrada que deveria ser calçada com pedras no Porto d’Areia. Para isso foi criado o imposto “sobre volumes em trânsito pelo porto desta cidade para embarque e desembarque por via marítima ou fluvial”. Esta seria extinta logo após atingir a soma. Graccho, em tom de entusiasmo telegrama para o Intendente Helvécio: “Por este auspicioso fato que vai beneficiar minha terra natal, apresento-lhe minhas congratulações”.

O sonho de ver realizada a luz elétrica teria se iniciado definitivamente após terem escolhido a margem direita do Piauitinga e começado a construção da Usina de Eletricidade. Antes tarde do que nunca, diriam alguns. Assim, acendedores de lampiões como João Ricardo e José da Hora, viam seus empregos ameaçados. No entanto, para desespero de muitos, a luz não viria nesse ano, tanto que na Lei nº 175 de 27 de outubro de 1923 o Intendente orça, para 1924, o custo com querosene para iluminação em um conto e 200 mil réis. (A Razão, 18.11.1923) continua.

 

 

(*) Pesquisador, radialista, Professor do Estado e da Rede Pública de Estância